quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Era uma vez Irmãos Grimm

Era uma vez Irmãos Grimm
Recontado por Katia Canton
Ilustrações de Ana Kesselring, Henk Nieman, Hortência Barreto, Josely
Carvalho, Katia Canton, João Roberto e Roberto, Sandra Tucci e imagens de
Walter Crane.
Os Irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm, percorreram povoados da Alemanha e ouviram
várias versões dos contos que hoje fazem parte do imaginário e cotidiano de
muitos leitores. Nesta edição estão reunidos os contos: Chapeuzinho Vermelho,
Branca de neve, Rapunzel, Cinderela, O príncipe sapo e João e Maria.
Dois irmãos, mil e uma histórias
Releituras e reflexões sobre Era uma vez Irmãos Grimm
Inegável é o prazer de todo ser humano – independentemente de sexo, raça, credo, idade,
classe social – em ouvir histórias. Muitos afirmam se tratar mesmo de algo constitutivo,
estrutural da nossa psique, atávico à natureza humana. Somos seres racionais, é certo, mas
também seres narrativos. Gostamos de um relato, precisamos de uma história. A seqüência
temporal de eventos, com início, meio e fim, com causa e conseqüência, é algo que permeia
nossa compreensão do mundo e, portanto, é a forma como o apreendemos, sejam ou não
representações artísticas.
O nascimento das histórias como conhecemos hoje, em bem elaborados objetos editoriais,
além de ricamente ilustradas e de alta qualidade gráfica, está no costume ancestral de se reunir
ao redor da fogueira. Ao analisar criticamente o percurso histórico da literatura destinada aos
pequenos e jovens leitores, percebemos que três sobrenomes se destacam: Perrault, Grimm e
Assuntos: contos de fadas, tradição oral
Interdisciplinaridade: Língua Portuguesa, Arte
Tema Transversal: Ética
Edição 2006
80 p./ 17 x 24 cm/ ISBN 85-368-0101-8
Andersen. Na França de fins do século XVII, Charles Perrault, e na Alemanha do século XIX, os
irmãos Jacob e Wilhelm Grimm desenvolveram trabalhos equivalentes e de crucial importância.
Foram, respectivamente, Contos da Mamãe Gansa, de 1697, e Contos de fadas da infância e
do lar, publicado em dois volumes, de 1812 e 1815. Nesses trabalhos, eles recolheram e compilaram
histórias que passavam pelas bocas e ouvidos dos camponeses, sob o risco de se perder
nas dobras do tempo. Em volta da fogueira, nossos ancestrais se reuniam para ouvir e contar
relatos precisos, narrativas fantasiosas, histórias curiosas, lendas acerca de fenômenos naturais,
“causos” que traduziam encantamentos... Buscar explicar o que acontecia à sua volta, tentar
compreender comunitariamente. Mesmo hoje, em uma sociedade globalizada e permeada pela
tecnologia, com todas as suas distintas características, agrupamo-nos orbitando não mais a
fogueira, mas outros espaços, objetos, elementos, como o rádio, a televisão, o computador... Entretanto,
há um espaço que remete à ancestralidade do ritual de ouvir e contar histórias, quase
sempre relegado a um segundo – ou terceiro – plano: a sala de aula.
É possível trabalhar conteúdos programáticos e temas transversais, com imaginação e
criatividade, usando livros de literatura, além dos livros informativos para crianças e jovens.
É fundamental perceber que o ato de leitura não é atividade de mero prazer, mas também
uma poderosa ferramenta.
Dialogando Com os Irmãos Grimm: Sugestões de Atividades
1. conteúdos programáticos
Língua Portuguesa/Literatura
O professor deve pesquisar e estimular que também os alunos pesquisem sobre a vida
dos Irmãos Grimm e, valendo-se da biografia dos autores – ambos estudiosos tanto das
narrativas orais e do folclore quanto da filologia –, trazer para a sala de aula a discussão que
aproxima a literatura do estudo da língua. Realizar breve estudo comparativo dos contos
Chapeuzinho Vermelho e Cinderela da presente edição, com o outro volume da coleção, o
título Era uma vez Perrault.
Educação Artística/Arte
Vale a pena atentar na diversidade de técnicas empregadas pelos artistas que realizaram
as ilustrações de Era uma vez Irmãos Grimm. Katia Canton, João Roberto Monteiro da Silva e
Roberto Tross Monteiro ilustraram João e Maria, em um trabalho que ata as pontas da existência
ao agrupar três gerações, pai, filha e neto. A Rapunzel, na visão de Hortência Barreto, alia a ancestralidade
e a materialidade do tecer histórias, do texto como tecido de saberes; já Sandra Tucci
trabalha o duplo em Branca de Neve, dominando as ferramentas tecnológicas das artes gráficas;
O príncipe sapo, de Henk Nieman, ludicamente abole os limites artista/obra em uma ilustração
que remete a um “não-lugar” utópico; Josely Carvalho ilustrou Chapeuzinho Vermelho, em uma
visão crítica da sexualização, do excessivo consumismo e da (in)dependência da infância nos
dias atuais; Anna Kesselring aceitou o desafio de trazer um novo olhar a uma história com mais
de 400 versões conhecidas: ilustrou Cinderela com tecnologia digital. Por fim, em diálogo com
a modernidade, o contraponto das clássicas, praticamente paradigmáticas, ilustrações do inglês
Walter Crane para a versão inglesa de Contos para crianças e para a família (mais conhecidos
como Contos de Grimm), publicada em Londres em 1882.
História/Filosofia
Como os pesquisadores Jacob e Wilhelm Grimm foram influenciados pelas idéias do movimento
literário alemão Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), é importante situar o contexto
histórico-filosófico em que as histórias foram coletadas, compiladas e escritas. Uma forma
dinâmica de apresentar o modo como a relação entre os contos de fadas e o imaginário social
é uma via de mão dupla. Sugiro que os professores procurem pesquisar diferentes propostas
de trabalho em outros encartes pedagógicos da editora, pois considero que a intertextualidade
não apenas gera novas idéias, como renova práticas bem-sucedidas.
2. temas transversais
Os contos de fadas compilados pelos Irmãos Grimm no século XIX e adaptados por Katia
Canton para a cultura brasileira contemporânea são de uma riqueza ímpar, e não se lhes
pode restringir aos exemplos deste suplemento pedagógico, que visam tão-somente nortear
o docente para que ele estimule tanto a sua própria criatividade quanto a de seus alunos.
Sugerimos alguns temas transversais que podem ser abordados em atividades cujo ponto de
partida sejam os contos da presente publicação.
Rapunzel: Ética (a decisão do marido de tomar ou não tomar Rapunzel como esposa e,
posteriormente, o dilema de cumprir um acordo quando ele parece injusto); Meio Ambiente
(necessidades humanas versus necessidades ambientais); Pluralidade Cultural (o choque /
fascínio de uma enclausurada Rapunzel ao travar contato com o Príncipe que vem de fora);
Educação Sexual (a importância de uma gravidez planejada e de um acompanhamento prénatal
bem realizado); Cidadania (o percurso de Rapunzel para conquista do exercício da
cidadania plena que lhe foi negada aos 15 anos).
Branca de Neve: Ética (o dilema moral do guarda em sacrificar Branca de Neve a
mando da Rainha ou liberar a indefesa jovem); Meio Ambiente (o importante papel desempenhado
pela natureza não apenas para Branca de Neve perdida na floresta, mas também
na relação que ela estabelece com os anões lenhadores que dela tiram o seu sustento); Pluralidade
Cultural (o modo de ser dos anões e o de Branca de Neve supera o estranhamento
inicial e todos passam não só a conviver com as diferenças, mas a construir algo juntos).
O príncipe sapo: Ética (a dúvida da princesa em manter o acordo que fez com o sapo
no momento em que ela tinha interesse em contar com sua ajuda); Meio Ambiente (a interação
da princesa com o sapo como metáfora da relação do homem com o Meio Ambiente,
em um viés ecológico); Pluralidade Cultural (a convivência com o Outro, tão diferente do interlocutor);
Saúde (tomando a situação ficcional por verossímil, quais seriam as implicações
para a saúde da princesa que beijasse o sapo?).
Chapeuzinho Vermelho: Ética (a liberdade para decidir e desobedecer e arcar com as
conseqüências); Meio Ambiente (na versão dos Grimm, a relação da história Chapeuzinho
Vermelho com o ambiente, no caso, a floresta, é determinante, e não apenas para a personagem
principal); Educação Sexual (apresentar a interpretação do conto como um meio de
aconselhamento de conduta moral e de educação sexual, salientando que essa não é a única
leitura possível); Cidadania (a punição do Lobo no final).
João e Maria: Ética (o dilema moral presente no embate com a posição da madrasta);
Trabalho e Consumo (a postura pragmática do pai de abandonar os filhos à própria sorte por
conta da fome e da pobreza); Saúde (considerando a atualidade do tema “obesidade infantil”,
seria João e Maria um texto anacrônico?); Cidadania (o respeito à propriedade alheia,
no conto em questão, à casa de doces, justifica-se no caso de crianças famintas?).
Cinderela: Ética (as irmãs não titubeiam em negar, mentir e esconder Cinderela a fim
de usurpar seu lugar de detentora do sapatinho de cristal); Pluralidade Cultural (o choque
cultural entre Cinderela e suas irmãs, que está para além do desnível material); Trabalho e
Consumo (a excessiva exploração do trabalho em contraposição à opulência da Corte, que é
desejada não apenas pelas irmãs mas também por Cinderela); Cidadania (Cinderela é considerada
uma pessoa de segunda classe, sendo rejeitada por suas meias-irmãs).
Referências bibliográficas
COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.
TATAR, Maria (edição, introdução e notas). Contos de fadas: edição comentada e ilustrada. Trad.
Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
WARNER, Marina. Da fera à loira. Trad. Thelma Médice Nóbrega. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
André Muniz de Moura, que elaborou este encarte, é crítico literário, escritor e professor.
Especialista em Literatura Infantil e Juvenil (UFRJ) e Mestre em Ciência da Literatura (UFRJ),
com a dissertação “Monteiro Lobato, um leitor de Nietzsche”. Desde 1995, tem desenvolvido
várias parcerias nas áreas de Leitura, Literatura para Crianças e Jovens e Educação, colaborando
com diversas instituições, dentre elas: Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ),
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro (BPERJ), Casa da Leitura / Fundação Biblioteca
Nacional (FBN-MinC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp – campus Presidente Prudente) e Universidade
Estácio de Sá (Unesa-RJ).

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